Especialistas em reestruturação esperavam ser ouvidos e ter maior participação no processo de mudança da norma

Em meio ao crescimento contínuo de pedidos de recuperação judicial no Brasil, é esperado que o projeto com mudanças na Lei de Falência (nº 11.101, de 2005) se desenrole ainda este ano, apenas cinco anos após sua última alteração. Embora o objetivo do PL nº 3, de 2024, seja tornar mais célere a falência de uma empresa no país – basicamente, a venda de ativos para o pagamento de credores -, ele tem provocado discussões acaloradas entre especialistas em reestruturação, que esperavam ser ouvidos e ter maior participação no processo de mudança da norma.
Segundo apurou o Valor, um grupo de administradores judiciais foi recentemente a Brasília para falar com parlamentares sobre o tema. Uma das preocupações é de que o projeto de lei limite a participação desses profissionais em processos de recuperação judicial e falência. Eles também queriam entender melhor qual seria o papel do “gestor fiduciário”, figura criada pela proposta para substituir a do administrador judicial.
Em geral, os críticos ao PL afirmam que, embora exista uma necessidade de melhoria na atual legislação, falta debate com os especialistas em insolvência para que, de fato, haja mais agilidade nos processos de falência. Um grupo, contudo, acredita que a lei, alterada em 2020, ainda é muito recente e, por isso, ainda não foi testada.
O tema ganha ainda mais relevância diante do atual contexto, com alta do número de recuperações judiciais. Apenas no ano passado, foram 2,3 mil pedidos, segundo a Serasa Experian, o mais alto da série histórica, que se iniciou em 2005. A reboque, também se espera alta das falências.
Quando esteve na Câmara dos Deputados no ano passado, o texto original do projeto de lei já foi bastante modificado. Mas, agora, no mercado, existe uma expectativa de novas mudanças na proposta, desta vez no Senado, o que a levará de volta para análise pelos deputados.
Se mantido o atual texto, um poder maior iria para a mão dos credores. Além de votarem pelo plano da falência logo no início do processo em assembleia, eles também poderiam indicar o que foi batizado de gestor fiduciário. Hoje, nesses processos, o administrador é escolhido pelo juiz.
A proposta ainda permite o uso de crédito da empresa em processo de falência na compra de ativos. Isso deve trazer um novo mercado para os fundos que atuam em empresas estressadas, mais conhecidos como “special sits”, em um momento em que essas gestoras deram um salto no Brasil.
Isso significa que, se o texto for aprovado no Congresso como está, poderá se comprar créditos no mercado secundário, com amplo desconto em relação ao valor de face, e usar como moeda de troca na compra de ativos dessa mesma empresa – mas pelo valor de face desses papéis.
A advogada especialista em reestruturação do escritório Felsberg Advogados, Fabiana Solano, aponta que em economias mais maduras a legislação traz eficiência para procedimentos de falência. “Existe um conhecimento geral de que ao se ter uma falência célere, os credores conseguem uma recuperação maior de créditos. Os ativos ao mudarem de mãos não estão tão depreciados e ainda são reinseridos na economia”, diz.
Para o especialista em falência, Charles Hanna Nasrallah, o projeto de lei quer endereçar o problema de processos que acabam sendo eternizados. Ele afirma que, ao longo das discussões sobre o tema, foi bastante debatido o processo envolvendo o Banco Santos, que perdura por 20 anos, mesmo havendo ativos para se pagar todos os credores.
Nasrallah conta que, em um dos casos em que atua, da Companhia Nacional de Tecidos, a falência foi decretada em 1974 e ainda não foi encerrada. Apesar da Presidência da República ter tirado o regime de urgência do projeto de lei, a expectativa é de que a proposta ande no Senado durante este ano.
Segundo Fabiana, do Felsberg, uma mudança que poderia ser bem-vinda no atual texto seria deixar a nomeação do administrador judicial nas mãos do juiz, seguindo um critério “claro e transparente”, com interessados podendo se candidatar. A especialista ainda destaca que, de forma alguma, o novo plano de falências pode subverter a ordem de prioridade de pagamento de credores, ou seja, deixar de começar pela classe trabalhista.
Renata Oliveira, sócia da área de reestruturação do escritório Machado Meyer acredita que uma mudança na lei, pouco tempo depois da última reforma, pode trazer insegurança jurídica. Ela lembra que as mudanças de 2020 foram feitas em meio à expectativa de um aumento de pedidos de recuperação judicial e problemas financeiros das empresas por conta da pandemia, o que não se concretizou diante das medidas governamentais e leniência de bancos, empurrando o problema para depois. “A jurisprudência está fazendo o seu trabalho”, comenta.
Já Juliana Biolchi, advogada especializada em reestruturações corporativas, afirma que existe preocupação em relação ao assunto porque houve pouca discussão, dado que se trata, na sua opinião, de uma ampla reforma. Segundo ela, seria bem-vindo um texto que diferenciasse processos de recuperação judicial e falência para as grandes empresas e as menores. “Seria necessário dar o tratamento que cada grupo precisa e fazer o sistema funcionar”, diz.

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