Em janeiro deste ano, segundo dados do CR Data, houve 10 casos de inadimplência nos títulos, um avanço de 20% em relação ao mesmo período do ano passado

As emissões de Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRIs) começaram 2025 com o freio de mão puxado. Entre janeiro e fevereiro, novas captações utilizando CRI chegaram a R$ 4,6 bilhões, um número 53% menor sobre igual período do ano passado. Os dados são da plataforma CR Data, do Clube FII. Embora a retração seja importante, outro dado também preocupa securitizadoras: o aumento dos CRIs em default no ano passado. Menos emissões, juro alto e inadimplência das empresas emissoras são fatores que devem promover no mercado uma elevação na barra de exigências para novas emissões.
Dados do CR Data mostram que, entre abril e dezembro de 2024, foram registrados 58 defaults, o dobro do observado no mesmo período do ano anterior. Em janeiro deste ano, foram mais 10 casos, um avanço de 20% em relação ao mesmo período do ano passado. O CR Data iniciou sua série histórica em março de 2023. “Aumentou a base de CRIs no mercado, mas o percentual de defaults registrados também é maior, saindo de 1,60% para 2,93%”, comenta Felipe Ribeiro, sócio e diretor de investimentos alternativos do Clube FII. Sobre a queda das emissões neste começo de ano, Ribeiro pondera que a base de janeiro e fevereiro de 2024 era muito alta “porque o mercado já sabia que o regulador mudaria as regras para lastro das operações e se antecipou”.
Sobre o percentual de CRIs em default – inadimplência – Ribeiro pondera que, embora exija cuidados no desenho das garantias e análise de risco, é um número (2%) relativamente pequeno. “A gente está falando do mercado de crédito. Se olharmos para o balanço de um banco e vermos quantos deles conseguem ter uma perda só de 2%, o desempenho dos CRIs não é tão ruim. Lembrando que são CRIs que têm garantias e ainda vão ser executados”, comenta Ribeiro. “A securitização no Brasil é um mercado que está 30 anos em atraso em relação aos Estados Unidos. E é natural que nesse amadurecimento do mercado a gente veja os tropeços de algumas emissões.”
Securitizadoras ouvidas pela Capital Aberto têm visão semelhante sobre o aumento dos defaults e ponderam que há garantias reais, na maioria dos casos, a serem executadas. “Notamos que o número de operações vencidas antecipadamente começou a crescer a partir de 2023, mas em relação a emissões da Virgo, não tivemos uma mudança muito drástica ao comparar 2023 com 2024”, comenta Olavo Meyer, diretor da Virgo, acrescentando que no ano passado a casa emitiu 79 CRIs, levantando R$ 8 bi. Neste ano, até o fim de fevereiro, foram mais 20 CRIs e R$ 1,5 bi captados.
“As condições econômicas não favoreceram o refinanciamento de tomadores que necessitaram de capital, a inflação subiu e a expectativa dos tomadores de redução das condições de refinanciamento não se concretizou, de modo que alguns players não conseguiram se refinanciar e acabaram tendo suas dívidas defaultadas por falta de pagamento”, explica Meyer. “Para 2025, temos expectativa de continuidade de 2024, mas a depender do cenário político, o segundo semestre pode trazer de volta um otimismo de mercado. Estamos trabalhando e nos preparando para esta hipótese otimista.”
Para Marcio Teixeira, head da securitizadora Opea, casa que botou de pé 179 operações no ano passado, levantando R$ 28,1 bilhões, o forte aumento dos defaults no ano passado tem a ver com o crescimento do mercado. “Como está ganhando volume, a gente vai ver uma exposição a defaults, como existe no mercado imobiliário, no crédito bancário, nos outros financiamentos tradicionais. O CRI vai na mesma linha”, comenta. Na visão de Teixeira, o “agravante” no caso dos CRIs é que o processo de renegociação do título é mais complexo do que o processo de renegociação de uma dívida com o banco.
Como os CRIs são detidos por fundos imobiliários ou de crédito e pessoas físicas, o processo que envolve renegociação, mudança de cláusulas e precisa ser votado, pode ser moroso. “Quando é crédito bancário, o banco topa ou não topa renegociar. No mercado de capitais, há um nível chamado comunhão de credores, temos obrigações regulatórias muito fortes. Em ofertas públicas, tudo tem que passar por um rito de assembleia dos investidores que, quando são fundos, é mais fácil, mas para emissões pulverizadas, com centenas de pessoas físicas, complica.” O executivo da Opea lembra que o fundo entende de obra, de repactuação, mas quando é a PF não. “Às vezes, com mais de mil investidores no CRI, pode ser um quórum simples, ou um qualificado. Todo o esforço é mais complexo”, explica.
Na Opea, a estratégia é acompanhar a obra, os prazos contratuais e, se houver atrasos e descumprimentos, agir ativamente. “A gente tem tomado um pouco o controle da obra, contratamos agentes intermediários para mediação, para valorizar a obra. Esse é um processo que a gente faz muito em conjunto com o investidor e essas operações geralmente têm investidores grandes por trás.” Uma das dificuldades principais da convocação e realização das assembleias é em relação aos CRIs adquiridos por pessoas físicas. “O fundo imobiliário entende de obra, de repactuação, mas quando é a PF, às vezes com mais de mil investidores no CRI, pode ser um quórum simples, ou um qualificado, todo o esforço é mais complexo”, explica.
A estratégia de acompanhar de perto a obra que lastreia o CRI também é parte dos esforços da Virgo. “Além do monitoramento constante das obrigações pecuniárias e não pecuniárias dos tomadores de recursos, com a cobrança de seu cumprimento, caso se concretize evento de vencimento antecipado não automático no andamento da operação, são analisados os possíveis cenários de repactuação”, explica Meyer. “Podem ser negociações de prazos, condições, para serem levadas aos investidores, alternativas de renegociação por ocasião de assembleia a ser convocada, ficando a critério dos investidores.” Na casa, de um total de cerca de 530 emissões de CRI e CRA, com 18 defaults no período de 2023 a 2025, o percentual gira em torno de 3,4%.
Na visão de Felipe Ribeiro, do Clube FII, o problema não é chamar a assembleia, é conseguir acessar as pessoas que são os votantes. “Muitos não entendem o produto que compraram, que mesmo o CRI sendo um ótimo produto, com boa amarração das estruturas, inadimplências ocorrem e renegociações são normais. Talvez o suitability não seja o mais adequado. Recebem um e-mail da securitizadora e não sabem do que se trata. É um caminho de educação ainda a se percorrer”, comenta o executivo.
Recuperação Judicial no caminho
Embora o processo de repactuação de cláusulas, execução de garantias, tenha suas dificuldades, o maior problema na visão dos executivos é quando a empresa entra em Recuperação Judicial (RJ). “A RJ é um processo complexo. Eu tenho vivido muitas RJs, principalmente no agronegócio (CRAs) nos últimos anos, e o que vai determinar o andamento da RJ é a praça, de quantos credores bancos estão por trás e se estão dispostos a ajudar”, explica Marcio Teixeira. “O judiciário está se apropriando também da RJ, em praças como São Paulo e Rio entendem melhor, mas fora é outra realidade.”
Olavo Meyer, da Virgo, tem visão semelhante. “Outro ponto é a própria estrutura do mercado de capitais, em especial na securitização, em ambiente de Recuperação Judicial, que esbarra nos mecanismos de pagamento usualmente propostos pelas devedoras, demandando o envolvimento e esforços especiais e direcionados de todos os participantes”, comenta Meyer. “Esforços para adaptação, inclusive assessores das recuperandas, B3 e do próprio judiciário.”

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