No top três das maiores gestoras de recursos do Brasil, a Bradesco Asset caminha para a meta de chegar a R$ 1 trilhão de ativos sob gestão, contando fundos de investimentos, FOFs e carteiras administradas. O otimismo do CEO da casa, Bruno Funchal, se sustenta em dois motivos: o carrego dos produtos, já contratado, e o ambiente projetado para 2025, difícil para investimentos mais complexos, de maior risco. “A gente tem muitos fundos bons de baixo risco, renda fixa ou high grade que vão se destacar no ano. Acho que dá para batermos na meta de R$ 1 trilhão”, comenta Funchal. Na visão do executivo, que antes de assumir a Bradesco Asset (2022) passou por cargos importantes no setor público, tendo comandado a Secretaria do Tesouro Nacional e participado como membro do Conselho Monetário Nacional (CMN), projeta Selic a 15% – “mantida por um bom tempinho” neste patamar.
Na entrevista à Capital Aberto, Funchal falou sobre a frustração com o pacote fiscal, em particular com o anúncio simultâneo de mudanças no imposto de renda (IR), e destacou o forte crescimento da casa no crédito privado, que hoje representa 40% dos recursos geridos pela Bradesco Asset. “Queremos explorar as fronteiras dentro da nossa expertise. Eu acho que a gente avançou muito em termos de expertise em crédito, onde hoje somos reconhecidos.”
Quais os principais desafios enfrentados em 2024 e como foi para a asset navegar neste cenário ?
Foi um ano muito complexo. Só para você ter uma ideia, a gente começou o ano projetando crescimento de 1,9%, inflação de 3,8%, Selic a 9% e câmbio perto de R$ 4,90. Terminamos 2024 com um crescimento de 3,5%, inflação de 5%, Selic 12,25%, já contratado 14,25% de juro e câmbio de R$ 6. A realidade é que foi, novamente, um ano da renda fixa, do crédito privado com uma certa estabilidade de retorno ao longo do ano. Nós fomos muito bem em 2023, mesmo com eventos de Americanas e Light, e no ano passado também. A ideia era aumentar a tomada de risco ao longo do ano, mas não foi possível. A captação líquida da asset, no ano, chegou a R$ 55 bilhões. Tivemos dois momentos no ano. O primeiro marco foi a economia americana muito aquecida e toda aquela perspectiva positiva de início de queda de juros nos Estados Unidos, que foi postergada. O primeiro semestre foi muito marcado por isso. A gente sabe que o FED ancora os juros no mundo inteiro, é o centro de gravidade dos preços no mundo. Essa postergação fez com que os emergentes e o Brasil, em particular, também fossem menos agressivos na queda de juros. Não ficou tão apetitoso para os investimentos de risco. No segundo semestre, quando o juro americano começou a cair, abriu margem para os emergentes cortarem e o Brasil acabou indo na contramão. Num primeiro momento por conta do que seria o pacote, no segundo momento por conta da frustração no pacote.
Foi o pacote que veio pior ou foi o mercado que esperava muito mais do que o governo poderia ou gostaria de entregar?
Depende do que você chama de pacote, se for o fiscal é com ou sem o IR (imposto de renda)? Primeiro, se fosse sem o anúncio do IR e com medidas que organizassem as despesas obrigatórias com o arcabouço fiscal, mesmo incluindo o salário mínimo, mas deixando de fora contas importantes de saúde, educação e previdência, seria bom. Não resolveria, mas ajudaria. Ganharia um fôlego até 2026. O problema veio quando traz a reforma do imposto de renda e dá isenção até R$ 5 mil. Nem tanto pelo que foi proposto, mas muito pelo que a gente acredita que vai ser o final desse jogo. O proposto é uma medida que aparentemente é neutra. Você tem um aumento de isenção que vai trazer uma redução de receita, mas com uma arrecadação no andar de cima que compensaria. A tendência na dinâmica do Congresso sempre é aumentar gasto e reduzir receita, e não criar imposto novo. A crença é que seria um pouco desidratado e foi. Aquilo que era para reduzir e melhorar a perspectiva do arcabouço trouxe mais risco.
De que forma este ambiente impactou na asset?
No primeiro semestre, a gente acabou surfando no crédito privado. A economia não veio em linha com as expectativas. A gente imaginava queda de juros e não caiu, teve muita volatilidade nos Estados Unidos e o crédito continuou sendo a classe da vez. No segundo semestre, a mesma coisa. Crédito. Da nossa captação no ano, basicamente 90% é crédito. A gente cresceu muito no ano e a maior parte desse crescimento é dedicado a crédito. Tivemos muita entrada de recurso nos fundos. A indústria como um todo foi bem em 2024, diferente de 2023 que muitos concorrentes não captaram por causa dos eventos de crédito.
No fim do ano houve um ajuste, para menos, nas captações dos fundos de crédito. Ocorreu também na Bradesco Asset?
No final do ano, os produtos de fato chegaram com uns spreads muito amassados. As classes de crédito, que antes eram muito atrativas, começam a ser uma classe que talvez, em termos de carrego, de possibilidade de ganho daqui para frente, tenha ficado menor. No fim do ano, teve um pequeno ajuste, os spreads abriram. Para a Bradesco Asset, novembro e dezembro não foram bons, mas o ano foi ótimo.
Há fundo de ações e de multimercado sofrendo há um bom tempo e a renda fixa, crédito privado, segurando. Neste cenário, o que sobra para o ano?
Com o juro a 15%, que projeta a curva, ou mesmo se for 14% pagando um e pouco por cento ao mês sem risco, a tendência é fundo de renda fixa mais tradicional, sem risco, talvez alguma coisa de fundos indexado com a inflação também. O crédito ainda tem um espaço por causa do ajuste que teve no final do ano passado, com os spreads abrindo. Deu uma melhorada mesmo. Mas a tendência é fundos renda fixa captando mais e um pouco no crédito.
Mas e o risco destas operações em crédito privado? Com a economia tendendo a arrefecer, e muitas RJs, pode afetar o desempenho dos produtos?
Essa é uma pergunta que a gente discutiu muito no mercado, entre nós. Eu não consigo perceber um grande risco de muitos eventos de crédito, mas eu vejo reprecificação. A reprecificação que teve em dezembro foi isso. Você teve uma percepção de risco, parou de entrar dinheiro nos fundos, pararam de comprar esses papéis a um preço muito baixo e foram reprecificados. Provavelmente este ano não vai entrar tanto dinheiro em fundo de crédito. O balanço das empresas, na média, está bom. Mas de qualquer forma, com a economia mais comprimida, a tendência é ter um lucro menor. O juro está alto, a despesa financeira fica maior. Se os indicadores de alavancagem, de risco financeiro são piores, tende a ter algum tipo de reprecificação também. Mas eu não imagino, não acho que pode ter eventos muito agudos. Eu imagino que possa ter um ajuste ao longo do tempo. Talvez um soft landing no mercado de crédito. Certamente um landing, mas eu acho que é mais para o soft do que para o hard.
A Bolsa local vem de anos sem um único IPO e nada sugere retorno das ofertas neste ano. Qual o cenário para a renda variável?
O mercado de ações brasileiro está difícil, mas lá fora está maravilhoso. Inclusive acrescentando que além da renda fixa pós e indexada à inflação, e um pouco de crédito privado, o ano deve ter novamente como importante uma diversificação global de bonds e de ações. Mas o mercado brasileiro é isso, está barato, mas com o juro aumentando fica difícil. Tem oportunidade, você tem empresas de valor que são muito resilientes e têm pouca alavancagem. Digamos que na bolsa sempre tem oportunidade, mas eu não consigo ver uma tendência de valorização para toda a bolsa.
A Bradesco Asset vem acumulando prêmios de gestão e crescendo de forma sustentável o volume gerido na casa. A que você atribui o desempenho?
A asset ganhou tudo (prêmios), né. Eu atribuo ao sucesso da área de crédito, que ficou uma classe muito relevante na operação. E acaba que tem peso na avaliação e na consistência do resultado. A gente não ter sofrido com nenhum evento de crédito fez toda a diferença. Quando a gente olha as avaliações de um ano, três anos, cinco anos, a gente é um relógio. É bem consistente. Não tivemos qualquer problema em 2023 com Americanas ou Light. Nada. É claro que, independentemente disso, os nossos fundos estavam rendendo bem. E como o crédito ficou com muito protagonismo, a maior parte do nosso patrimônio hoje é renda fixa crédito. Ajudou nos resultados. Hoje, de tudo que gerimos 40% é crédito, incluindo produtos DI e crédito privado, high grade, high yield.
As assets independentes por um bom tempo foram sinônimo de produtos mais sofisticados e melhor atendimento. Isto ainda é uma realidade?
Sempre foram sinônimo de uma oferta mais customizada, personalizada. Eu acho que o mercado é tão competitivo que as coisas acabam se aproximando. As assets independentes viraram referência em várias coisas e as assets de banco agora são referência correndo atrás para fechar o gap. Da mesma forma quando a gente está em um país que tem ciclos muito acentuados, você ser monoproduto tem a vantagem de atuar em um nicho, como diferencial. Mas, em ciclos como esse, que os investidores mudam de classe muito claramente, como agora, se você for monoproduto é muito arriscado. Vejo que as assets independentes meio que se aproximaram da realidade dos bancos. Na prática, a gente quer ter melhores serviços em propósito de valor para o cliente e as nichadas querem agora ser multiproduto, então dá uma uniformizada.
A grade de produtos da Bradesco Asset é bem completa, mas falta algo a acrescentar ou a melhorar em oferta?
Sempre falta. Acho que o primeiro ponto é a gente ter um processo de inovação constante, saber quais são as fronteiras e explorar as fronteiras dentro da nossa expertise. Eu acho que a gente avançou muito em termos de expertise em crédito, a gente hoje é reconhecido em crédito. Além de uma gestão com entrega de performance consistente dentro do que o crédito high grade faz, classe que temos mais de R$ 300 bi, você tem o avanço para produtos de valor agregado, como o high yield. A gente já lançou dois high yield, um em 2022 e outro em 2024, e vai lançar o terceiro agora. É um fundo fechado. Também lançamos em 2023 nosso primeiro Fiagro, de R$ 200 milhões. Em fundos high yield já foram R$ 300 milhões. Nosso fundo de infraestrutura agora tem mais R$ 500 milhões. E assim, a gente vai criando outros produtos a partir da nossa vocação. Produtos de maior valor agregado que fazem sentido para uma diversificação do cliente, tomando um pouquinho mais de risco.
Qual a estratégia para a segmentação dos clientes? Dos diferentes segmentos, qual cresce mais na asset?
O Private está crescendo bastante, mas acho que a grande mudança não é nem o Private, mas o novo segmento que fica entre o Prime e o Private, batizado de Bradesco Principal. Tem um espaço legal, importante para explorar ofertando produtos mais sofisticados. Foi lançado no final do ano passado. É uma faixa que tem muita gente porque Private é muito nichado. É parte da estratégia do banco para poder atingir esses clientes e levar produtos mais sofisticados de investimento.
Como está caminhando a parceria da Bradesco com o Banco BV na Tívio Capital?
A Tívio tem vida própria. É um concorrente, mas é um concorrente que está dentro de casa. Tem espaço para conversar, mas é concorrente. O que dá para falar é o seguinte, eles vão para produtos mais estruturados que a gente, mais alternativos, de mais risco. Por exemplo, a gente só tem um fundo imobiliário que é um FOF, mas eles vão para o imobiliário de tijolo, eles vão para a infra de energia, projetos. Apesar de existir alguma sobreposição, principalmente de crédito, é para ter uma certa complementariedade.
Você acredita em alguma novidade do ponto de vista macro que possa melhorar a perspectiva para o ano?
O juro está muito alto. Está bom para investimento sem muita complexidade. Acho que vai depender muito de duas coisas. Acho que tem uma mudança grande nos Estados Unidos, em posicionamento, e ver como é que vai ser essa política de tarifa do Trump e quão forte vai ficar o dólar. Se a gente tiver, de fato, uma política de tarifa mais arrojada, um mundo um pouco mais inflacionário, economia americana que demanda um juro mais alto, o dólar vai ficar mais forte e vai ficar difícil em 2025. Sem contar os nossos próprios desafios internos. Eu espero, por exemplo, que, no Brasil, alguma agenda estrutural caminhe, finalize toda a discussão da reforma tributária, e que de repente você tem algum tipo de revisão na estratégia de imposto de renda.
A Bradesco Asset encerrou 2024 com quanto de recursos sob gestão? Pode chegar à marca de R$ 1 tri neste ano?
Somando tudo, fundos de investimentos, os FOFs e carteira administrada, a Bradesco Asset tem perto de R$ 915 bilhões, crescendo sobre o final de 2023, que estava em R$ 800 bilhões. A gente consegue manter o crescimento por dois motivos. Primeiro porque tem um carrego importante com juros de 14%. E a segunda coisa é que a gente tem muitos fundos bons de baixo risco. A nossa meta é o R$ 1 trilhão. Acho que dá. Não são fundos de muito valor agregado, de risco ou os estruturados, o que vai ajudar é fundo renda fixa caixa, ou high grade.
A Bradesco Asset começou em 2023 uma estratégia de crescer para além da base de clientes. Tem dado resultado?
Tem sim. São duas coisas importantes, crescer para fora das fronteiras do banco e investir em inovação. A gente saiu praticamente de zero e hoje temos R$ 6 bilhões nas plataformas, basicamente crédito privado e renda fixa. Um crescimento bacana junto aos parceiros. A tendência é crescer mais. A estratégia é começar com renda fixa e crédito e depois ir para outras. Quando a gente fez o lançamento, por exemplo, do fundo de infraestrutura que é listado, você teve cotistas de outros lugares comprando, então a gente consegue pulverizar a nossa base de passivo. Uma vantagem estratégica interessante. A outra coisa foi a área de inovação para sempre olhar para as fronteiras inovadoras em produto, processo, serviço. Ter que saber sempre qual é a referência. Se você quer ser competitivo, tem que saber qual é a fronteira. Por exemplo, a gente criou um indicador junto com uma área de inovação do banco, usando IA para fazer a leitura da ata do Copom e definir o quão duro é o texto, ou não – Indicador Hawk/Dove. Acabou indo parar na Bloomberg. Usamos esse instrumento para montar estratégias quantitativas a partir disso, em juros.
A Selic termina o ano em que patamar? Pode haver alguma surpresa positiva?
A notícia boa é que tudo depende da discussão da sociedade, da política. Se a gente tiver um debate e achar soluções para problemas mais complexos que estão desancorando, a expectativa pode reverter. O futuro não está escrito. Por enquanto, a previsão é Selic indo a 15% e ficando neste patamar por um tempinho.