Regulador quer evitar instituições financeiras que “eram uma casca” e delegavam tudo para os parceiros
O Banco Central deu um importante passo para a regulamentação do mercado de Banking as a Service (BaaS), que permite que empresas de diversos setores ofereçam serviços bancários aos seus clientes, abrindo a Consulta Pública nº 108/2024. A iniciativa busca estabelecer um marco regulatório para esse novo modelo de negócio e promete apertar o cerco para algumas práticas neste mercado, trazendo mais segurança ao consumidor e um nivelamento na concorrência. As mudanças podem afetar, inclusive, CTVMs e DTVMs (corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários) que atuem com esses serviços.
O conceito de Baas nada mais é do que contratos de parceria entre instituições financeiras e não financeiras que querem, de alguma forma, ofertar serviços de instituições financeiras. “Por exemplo, eu tenho uma instituição de pagamento, eu tenho contas, e vou ter terceiros oferecendo essas contas e me trazendo clientes e, ao mesmo tempo, do lado deles, acoplando um serviço de pagamento, seja um serviço de varejo, um marketplace, existem vários. Mas eu ainda não quero ter uma licença própria”, esclarece Alessandra Rossi, sócia da área de Bancário, Seguros e Financeiro do Machado Meyer.
Consequentemente, acontecem essas parcerias de serviços de pagamento, onde há uma entidade regulada e são quem efetivamente presta o serviço financeiro de pagamento, e um outro intermediário que faz essa abordagem um pouco mais comercial. Alessandra aponta que começou a ocorrer um desnivelamento no mercado. Por exemplo, na oferta de operações de crédito, há uma regra de correspondente bancário e alguns outros termos, mas para diversos outros serviços que foram surgindo conforme o mercado foi se sofisticando, não havia previsões de como essas relações aconteceriam.
“Começou a ter um desnivelamento. Tem aqueles que prestam o serviço, ou seja, que têm política própria, empregados próprios, toda uma estrutura realmente para supervisionar esses parceiros, mas surgiu uma onda de instituições financeiras que eram uma casca e delegavam tudo para os parceiros”, conta Alessandra.
Isso gerou um incômodo do regulador, além de trazer uma insegurança jurídica, porque a instituição regulada que deveria se responsabilizar por tudo, mas em alguns casos isto não ocorria. “O regulador pensava: eu te dei uma licença para você operar, mas a operação mesmo você está ‘terceirizando’ tudo. E isso começa a gerar uma confusão sobre o que é essa terceirização de Bank as a Service, do jeito mais tradicional, versus esses modelos novos que estavam ‘terceirizando’ tudo”, comenta.
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A terceirização tradicional em Baas trata de serviços de backoffice, da contratação de prestador de serviço de tecnologia, base de dados para checar dados do cliente, cadastro etc., bases de dados para fazer análise de disco de crédito, e prestadores de serviço para fazer a parte de segurança cibernética e/ou cloud. “Para tudo isso existem regras e é permitido. Mas quando começa a gerar essa confusão, como que eu travo a empresa que obteve uma licença e é só uma casca, e imponho requisitos a ela, que já existem, mas ela acaba terceirizando e usando de uma brecha na regulação para não ter nada?”, indaga. “Só que ela não está contratando prestadores de serviço, ela está terceirizando ao mesmo tempo que está contratando parceiros para vender os serviços dela. E por isso veio essa regra de Baas.”
Foi a partir desta constatação que o regulador decidiu intervir e criar esse novo marco regulatório, discussão que durou cerca de dois a três anos, segundo a advogada. O Banco Central foi observando esses movimentos de parceria e algumas situações de falências de instituições de pagamento que não tinham estruturas muito bem estabelecidas, além de reclamações do cliente que procurava o financeiro e recebia a devolutiva de que o parceiro da instituição era o responsável, e decidiu nivelar esse mercado.
“Quem está fazendo esses contratos dessa maneira mais tradicional, por exemplo, os contratos que fazemos são mais redondos, tem cada parte com a sua responsabilização e com o seu chapéu, não muda muita coisa. Em compensação, para todo esse outro mercado que estava nadando por fora e não tinha uma grande estrutura regulada, vai mudar consideravelmente”, argumenta Alessandra.
Em termos de impacto, há entes que já estão preparados e operando muito próximos desse mercado, olhando para pagamentos e serviços financeiros tradicionais. Do ponto de vista de quem contrata, será necessário “procurar um parceiro que siga as regras”. Já do ponto de vista de quem oferece o serviço, “vai ter que nivelar um pouco mais para cima” para seguir a regra. “Tem uma questão de competição, onde todos vão estar nos mesmos parâmetros, que é o objetivo do regulador. Traz segurança e uma competição mais justa dos players”, diz a advogada.
A intenção do regulador não é impedir a subcontratação e, esse, inclusive, foi um dos grandes desafios da regra, como regular Baas sem limitar a terceirização. A regra também, embora não tenha sido criada para isso, pode afetar também as CTVMs e DTVMs que usam Baas para ofertar contas, por exemplo, em uma parceria, ou outros serviços que tenham essa característica.
Procurada pela reportagem, a Associação Nacional das Corretoras de Valores (Ancord), informou que montou um Grupo de Trabalho sobre o assunto e que vai discutir o tema com as associadas. “Certamente contribuiremos com a Consulta Pública, mas, neste momento, antes de consultarmos as associadas, ainda não temos uma posição oficial”. A consulta pública vai até 31 de janeiro de 2025.
Para Adelmo Lima, head de Produtos da Vórtx, que utiliza serviços de Baas apenas em sua estrutura interna para liquidação no próprio grupo, mas pretende oferecer serviços de Bank as a Service ao mercado em breve, as mudanças são positivas. “Do ponto de vista do edital, o principal ponto é ser mais transparente, na verdade, na oferta desse serviço. O Banco Central busca transparência para o setor financeiro, abre uma janela de inovação e inclusão financeira”, aponta.
Lima cita que, quando em uma estrutura de Bank as a Service, outras empresas que não são do setor financeiro “podem oferecer” o serviço financeiro. “Propor essa regulamentação de Baas cria um ambiente mais seguro, mais transparente para oferta de serviço financeiro, impulsiona a competitividade e democratiza um pouco o acesso a esse serviço”, diz.
O executivo comenta que o edital vem para delimitar do que se trata o Baas, oferecer o quê, como, com quais limites, também com a intenção de fomentar o mercado, o que torna um ambiente mais seguro. “Eu vejo como positivo, porque você consegue definir as regras claras de entrada, ter os limites do que pode ser ofertado. Quando olhamos o próprio conjunto de regras do que está sendo discutido aqui dentro da prestação de serviço de base, tem a definição dos entes envolvidos, quem é quem, quais instituições podem oferecer o serviço de Banco as a Service e quais poderão utilizar esse serviço”, diz.
Há uma definição mais clara de responsabilidade de cada parte envolvida dentro dessa cadeia, quais os requisitos que as empresas parceiras devem cumprir para utilizar o serviço de Banco as a Service e o escopo do serviço, diz Lima. “Quais os serviços financeiros podem ser oferecidos por meio de Baas? Porque a base é Bank as a Service, mas o que é Bank as a Service?”, comenta o executivo, citando que esse modelo de negócio “começou a explodir”. “Quando você tem uma estrutura que não tem a capacidade, por exemplo, simples, de fazer uma consulta para conhecer o seu cliente, para questões de lavagem de dinheiro, você abre uma porta até para uma possível fraude dentro da estrutura.”
A Vórtx, inclusive, vinha colocando dentro de sua estrutura alguns serviços básicos para “abrir essa porta de Bank as a Service”. Em maio, ela estruturou o serviço de cobrança, que ainda não era escalável. Já no último mês, a instituição fez suas primeiras liquidações de cartões. “A gente consegue liquidar um cartão de crédito, um cartão de débito dentro da nossa estrutura. E todas essas são estruturas principais para poder oferecer Baas, porque não é só conta corrente, você tem que obter um leque maior”, aponta Lima.
A Vórtx deve atuar nesse mercado no momento em que as mudanças entram em vigor. A consulta pública vai até o final de janeiro e a previsão da instituição para estar apta a oferecer “full” o sistema de Bank as a Service é que aconteça ainda no primeiro trimestre de 2025, ou até antes, ainda em janeiro.
Fonte: https://capitalaberto.com.br/regulamentacao/bc-aperta-o-cerco-para-baas-atento-a-brechas-no-mercado/