Em entrevista ao NeoFeed, Luis Stuhlberger, da gestora Verde Asset, fala sobre o novo pacote fiscal, critica o que diz ser populismo eleitoreiro e alerta para os gastos desenfreados
Passado o calor do anúncio do pacote fiscal apresentando pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, na última quarta-feira, 27 de novembro, o mercado começou a fazer as contas. E Luis Stuhlberger, da Gestora Verde Asset, um dos maiores nomes da indústria de investimentos do Brasil, teve
tempo para digerir as informações. Essa digestão, é bom salientar, não foi nada boa.
Em conversa exclusiva com o NeoFeed, Stuhlberger se diz preocupado em vários aspectos e não só por
conta deste mais recente pacote que ele diz ser uma “gorjeta” diante do tamanho dos gastos do
governo que vêm subindo ano a ano. Mas, sobretudo, pela sinalização expansionista que o
anúncio trouxe, de que o governo não está preocupado em cortar
Trata-se de um problema estrutural do País. O gestor mostra, em números, a sua preocupação. Os
gastos com funcionários ativos, aposentados e beneficiários de Bolsa Família, BPC, auxílio-doença,
seguro-desemprego, entre outros, segundo previsões, deve chegar a R$ 1,6 trilhão em 2025. Em
2021, esse número era de R$ 1 trilhão. “Subiu 60% em quatro anos. Parte foi o Bolsonaro e
boa parte foi subir o Bolsa Família de R$ 200 bilhões para R$ 600 bi. O Brasil é um país que tem uma
natureza assistencialista. A culpa é de todo mundo em algum momento, vai explodir.
“Nós somos o País emergente, tirando o leste europeu comunista, que também não está muito
acima disso, que mais gasta no mundo, muito acima do resto”, diz Stuhlberger. “Se a gente olhar a
métrica anterior do teto de gastos, a despesa para 2024 já está correndo a R$ 400 bilhões acima do
extinto teto. É um número descomunal.”
Ele afirma também que o cenário para 2025 não será fácil. “O PIB vai crescer menos
e vai ter juro mais alto. Então, num país que teve um déficit de 10% do PIB, em 2024, ano
que vem será pior. O Brasil terá menos receita e mais juro. Essa é uma situação muito delicada”, afirma. Sobre o dólar, que bateu em R$ 6, ele diz que “vamos precisar de um juro muito alto para evitar que o
dólar suba mais”.
E, ao fim da conversa, na qual criticou o modo como vieram as propostas de isenção de IR para quem
ganha até R$ 5 mil e a taxação mínima de quem ganha acima de R$ 600 mil por ano, fez um
disclaimer. Para o fundo Verde, que é um multimercado, no qual os clientes pagam 15% de
imposto, a taxação das aplicações financeiras, diz ele, não é ruim, pois acaba com as distorções causadas por títulos incentivados. Mas a forma como foi proposta está errada. Acompanhe os
principais trechos:
O que você achou desse pacote?
Olha, o governo, em relação ao pacote de redução de despesas, se assustou com a reação do
mercado. E não a reação do mercado desde quarta-feira [27 de novembro], mas a reação do
mercado nos últimos 60 dias. Como estava difícil para o governo fechar a conta desse arcabouço
fragilizado, estavam faltando R$ 30 bilhões, R$ 40 bi por ano, o entendimento que o governo e,
principalmente, o ministro Haddad tentam levar para o mercado é o dos small numbers. Tipo assim,
‘faltam R$ 30 bi, faltam R$ 40 bi? Vamos resolver e o mercado vai gostar’.
Foi mais um remendo…
Para ele, digamos assim, ‘se fechar o arcabouço, é o que está combinado e o mercado volta para a
normalidade’. Este é o objetivo do Haddad que levou quase 60 dias em um trabalho hercúleo para
convencer o Lula e todos os ministérios.
Mas qual a sua visão sobre o que saiu?
Saíram dois PLs e uma PEC que ainda não foi divulgada. Olhando para o que saiu, pegando um
pouco a nossa impressão e o sell side de qualidade, aquilo que o governo está prometendo, de R$ 40
bilhões, vai entregar metade. E sempre que isso chega ao Congresso há uma desidratação, pressão
por emendas. No limite, vai ser um número entre R$ 20 bi e R$ 30 bi por ano.
O quão grave é essa questão das contas?
Vamos olhar para duas métricas de gastos do governo federal. Se a gente olhar a métrica anterior
do teto de gastos, a despesa para 2024 já está correndo a R$ 400 bilhões acima do extinto teto. É
um número descomunal. Grosso modo, metade é culpa do Bolsonaro e metade é culpa do Lula. Mas
está aí. Se você pensar quanto estourou o arcabouço, R$ 30 bi, R$ 40 bi, R$ 50 bi, arrumando R$
20 bi, R$ 25 bi, você fica no limite inferior do arcabouço. Isso é o que chamo da teoria da foto e
não do filme, e também da teoria do band-aid. Ou seja, o foco do ministro Haddad é no Band-Aid, mas
o que o mercado está vendo é o filme.
E qual é o filme?
Antes de chegar no filme, vamos ver os big numbers e os problemas estruturais graves que o Brasil tem, e
que não é culpa só do PT. O Brasil é um país que gasta hoje, correntemente, 38% do PIB. Dos quais 20%
desse gasto primário é do governo federal e os 18% restantes são os governos estaduais e municipais –
sendo que nos estaduais e municipais já constam os os gastos com Juros. Nós Somos o emergente, tirando o leste europeu comunista, que também está muito acima disso, que mais gasta no mundo,
muito acima do resto.
Como é que a gente financia os 38% do PIB?
A receita tributária do Brasil é por volta de 34% do PIB e, depois, cerca de 2,5% do PIB que é a chamada
carga não tributária, que é basicamente os royalties. Mas quem paga são as empresas, Vale, Petro. Então
a gente arrecada estruturalmente 36,5% do PIB. Então a gente tem hoje um déficit primário estrutural
de 1% a 1,5% do PIB. Estamos falando de um PIB no ano que vem que será por volta de R$ 13 trilhões. O
Brasil vai gastar R$ 5 trilhões.
E o Brasil ainda gasta com juros da dívida, não?
O Brasil tem uma dívida PIB de 80%. Com um PIB de R$ 13 trilhões a uma Selic de 12% ou um juro real de
7%, tem mais um R$ 1 trilhão de gasto com juros. Então a gente gasta R$ 5 trilhões, União, Estados e
Municípios, mais um R$ 1 trilhão de juros. No total, são R$ 6 trilhões. Quando você fala que estamos
economizando R$ 30 bi, é 0,5%. É uma gorjeta. Mas é aquela história, como é o que falta para completar o arcabouço, é importante. O filme, no entanto, é muito ruim. Além de o Brasil gastar muito, a gente
tem o maior juro real do mundo e o país nunca conseguiu resolver isso.
Por quê?
A gente nunca conseguiu resolver isso adequadamente, nem desde a criação do Plano
Real. A economia brasileira é altamente indexada. A gente não pensa em reais. Tudo, tudo, tudo é
indexado. A rigidez inflacionária é enorme. Quando ela sobe de patamar, é muito difícil trazê-la de volta
para baixo. Então, ter uma meta de inflação de 3% é completamente irrealista para o Brasil.
Diante disso, a meta não deveria ser maior?
A maioria dos países emergentes tem uma meta de 4%, que não é muito mais. Mas a meta de 3% meio
que foi concebida porque, quando a gente criou o teto de gastos, a gente já vinha no fim de um
governo Dilma com a economia em recessão muito forte. Criou-se, quando o Temer assumiu, o teto de
gastos. A gente passou por uns anos de inflação mais baixa. O teto ajuda muito. No governo Lula, o
gasto público nesses dois primeiros anos subiu de 4% a 5% ao ano. E no último ano do governo
Bolsonaro também.
Qual é o impacto disso?
Para você ter uma ideia, é bom ver o gasto do que chamo de PDP, um termo criado pelo economista
Raul Velloso e que é o maior partido político do Brasil. PDP é pagamento direto a pessoas. Ou seja, o
total da previdência e assistência, da qual 100 milhões de pessoas recebem um cheque todo mês. Aí você tem mais 12 milhões que recebem um cheque. mas para aqueles que são funcionários públicos estaduais, municipais e federais. Mas para aqueles que são aposentados ou recebem Bolsa Família, BPC, auxíliodoença, seguro-desemprego, esse valor, segundo previsões que temos para o ano que vem, deve
chegar a R$ 1,6 trilhão do total de R$ 2,7 trilhões que o governo federal gasta.
O quanto esse gasto tem subido?
Em 2021, esse gasto era de R$ 1 trilhão. Subiu 60% em quatro anos. No final das contas o que o governo
está dizendo, é que esse número vai cair para R$ 1,55 trilhão. Ainda assim ele vai ter subido mais de 50%
em quatro anos. Parte foi o Bolsonaro e boa parte foi subir o Bolsa Família de R$ 200 bi para R$ 600 bi. O
Brasil é um país que tem uma natureza assistencialista. A culpa é de todo mundo, do
Executivo, do Legislativo, do Judiciário, enfim, e assim vamos. Temos uma inflação já cronicamente difícil
de ser baixa, num país que está crescendo 3%, num governo que turbinou os gastos públicos com a PEC
de transição, com alta do salário-mínimo, com o grande número de entrantes no BPC e na
Previdência. A economia está em pleno emprego e é mentira dizer que temos um desemprego de 6%.
Por que você diz isso?
O desemprego é zero porque esses 6% recebem dinheiro do governo. É aquela história, temos 100
milhões de pessoas que recebem benefícios, 50 milhões são idosos ou jovens e outros 50 milhões que trabalham pra sustentar 220 milhões. A conta não fecha. Esse é um problema estrutural
que não é só deste governo. É um problema imenso e a gente tem um juro real de equilíbrio muito alto e
esse problema já vem de muito tempo. É difícil de resolver e, turbinando a economia e gastando muito,
o problema se torna mais grave.
O que você enxerga para 2025?
Atuarialmente, a conta não fecha. Ano que vem o PIB não vai crescer 3,5%, vai crescer 2%. Não vamos para uma crise no estilo Dilma. Vai crescer porque o desemprego está baixo. Com a Selic a 14%, o crédito
vai crescer menos, a inadimplência vai aumentar. O PIB vai crescer menos e vai ter juro mais alto. Então,
num país que teve um déficit de 10% do PIB, em 2024, ano que vem será pior. O Brasil terá menos receita e mais juro. Essa é uma situação muito delicada.
Pelo cenário que você traçou, uma hora a bomba vai explodir. Até quando o país consegue segurar?
A crise só vem quando o Brasil tiver uma recessão. Aí ela explode. Mas eu acho que isso não vai ocorrer nos próximos dois anos. Aí a gente vem olhar um segundo aspecto disso, que foi a bomba que
estourou na última quarta-feira com o pacote. Esse pacote está anunciado há dois meses. Na hora de
sair o pacote, o Lula com medo da perda de popularidade, resolveu antecipar a discussão e
jogar dizendo ‘não, não vou reduzir gasto’. O discurso do Haddad quase não apareceu.
O que apareceu?
O que apareceu foi ‘vamos subir a isenção de imposto para R$ 5 mil’. Foi um discurso
extremamente populista. Não foi discurso de quem está pregando austeridade. No fim, o que de fato
este governo quer, obviamente ser reeleito, é distribuir dinheiro o quanto ele puder. E é isso que ele
está fazendo, essa medida é muito esperta. Do mesmo jeito, que é o pé de meia que dá dinheiro
para 3 milhões, 4 milhões de adolescentes, de 15 a 18 anos. Para votarem no Lula, né? É um programa que tem o mérito de combater a evasão escolar no colegial. Mas é eleitoreiro.
Na sua Opinião, essa isenção de imposto para quem ganha R$ 5 mil também é eleitoreira?
A natureza desse programa é que o Lula, até dois salários-mínimos, tem um número de eleitores
muito alto. De dois a quatro salários-mínimos, cai muito. Como esses cerca de R$ 500,00 que vão
sobrar na mão a partir de janeiro de 2026, é uma medida eleitoreira muito forte.
Mas você acredita que a medida passa no Congresso?
Aprovar isso, o Congresso aprova. Quem vai ser contra isso? A questão aí é o que, de fato, este
governo quer? Então, a contrapartida disso, que a gente não viu o detalhe, mas eu consigo entender
claramente o que vem. É esse imposto de renda mínima para quem ganha acima de R$ 600 mil no
ano. À primeira vista, se você olhar ele ao pé-daletra, parece ser uma coisa justa.
E não é?
Você pega todas as rendas. Você recebeu o salário, pagou 27,5%. Você teve um ganho de capital, pagou
15%. Recebeu dividendo, pagou zero. Teve uma renda de LCI, pagou zero. Você soma tudo e, se der menos que 10%, você completa o 10%. Quando é vendido dessa forma, é muito esperto. Isso não entra na discussão de como você obteve a renda. Não a renda financeira de LCA, LCI, de debêntures de infra,
não estou falando desses R$ 2 trilhões de títulos isentos, que é altamente discutível. Isso é renda
financeira e é justo que seja tributada de alguma forma. Agora, o resto da renda, que é a renda do
dividendo que você teve sendo empresário do lucro real, do presumido ou do simples, é diferente.
Por quê?
Se você é do lucro real, até chegar o dividendo, você ganhou na primeira linha PIS, Cofins, ISS. Depois, a empresa pagou o ICMS, IPI (nem todos pagam), IR, contribuição social na alíquota mais alta do mundo
que é 34%. Até o Haddad dizer que é injusto o cara que recebe dividendo não pague, olha quanto a
empresa pagou de imposto. Agora, qual a esperteza disso? Eles não vão entrar no mérito da fonte
pagadora pessoa jurídica. Eles vão olhar a tua declaração de renda de pessoa física. Eles não
olham o quanto a empresa pagou e isso está nos 38% do PIB de carga tributária, que é altíssimo. Então,
teria que mexer na tributação da atividade empresarial. Pensa numa pessoa Simples. Digamos
que você pagou lá 5% e aí você recebeu o seu dividendo e pagou mais 10%. Triplicou o seu imposto
e você tem sua atividade empresarial. Isso triplica o imposto de renda de quem está no Simples e vai
ensejar sonegação. Isso vai dar problema no Congresso.
Que tipo de problema?
Digo o tipo de percalço que o governo vai ter, porque o governo vai dizer ‘eu tenho nada a ver com a
empresa do cara, estou tributando-o na física’. Mas o Congresso e a sociedade não vão receber dessa
forma.
Então, provavelmente, haverá ajustes…
Vai. Quem está no lucro real vai querer uma diminuição dos 34%. Quem tem uma debênture de
infra e vence em 2035? Ele vai dizer que vale para as novas, não para a atual. Quando chega no
Congresso não é simples. Esse negócio da isenção dos R$ 5 mil que eles estão falando que vai custar R$
35 bilhões, vai custar R$ 70 bilhões.
Como você chegou nessa conta?
Você tem que mexer na faixa de R$ 5 mil a R$ 7 mil porque, senão, quem ganha R$ 6 mil vai ter um
salário menor do que ganha R$ 5 mil. Já vi essas contas. E tem outro problema aí.
Qual?
Tem um problema temporal porque o pagamento na declaração de ajuste é em maio de 2027 e o benefício de quem vai ter os R$ 5 mil sem imposto começa em janeiro de 2026. Ou seja, fica um ano com um rombo enorme para compensar em 2027. Isso aqui vai dar muito problema, não vai ser fácil. O Congresso já não quer dar aumento de imposto e todos os setores empresariais vão reclamar.
No cenário de hoje, o dólar está a R$ 6,00. Vai ser
difícil cair?
Primeiro o dólar está em R$ 6,00 porque o euro está a 1,05, o iene a 150, o peso mexicano está a 20,30. O fair value do dólar hoje seria R$ 5,40. Mas vamos precisar de um juro muito alto para evitar que o
dólar suba mais ´que é aquele negócio do caminho. O dólar sobe, o juro sobe, aí o dólar sobe mais, o juro
sobe mais. É um círculo vicioso que o governo vai ter que administrar.
Aí entra o novo Banco Central sob o comando de Gabriel Galípolo. O que esperar?
Eu acho que o Banco Central vai ser bom. Esse medo, não tenho. O que temos é um problema
estrutural, que já é complicado em si, com um governo que só pensa em distribuir dinheiro para
poder se reeleger. Não me parece um cenário muito bom.