Ação cível relata transferência de R$ 81 milhões para empresa que tinha no quadro societário nome de sócia da filha de fundador em outro negócio

No emaranhado de operações com derivativos nos problemáticos fundos da Infinity Asset Management, uma transferência de R$ 81,29 milhões para a empresa Ajuz Business & Solution Administração de Bens Próprios e Participações, em julho de 2020, chama a atenção. No quadro societário constava o nome de uma sócia da filha do fundador da gestora de recursos, David Jesus Gil Fernandez, em outro negócio, a Empatee Comércio de Roupas. O valor então representava 30% do patrimônio das carteiras.
Tal relato e a respectiva documentação aparecem num dos trechos da ação cível protocolada nesta semana na 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, em nome dos cotistas dos fundos Pipa, Coral e Forte, que estão sob responsabilidade da Arm Gestão desde julho do ano passado.
No processo, os fundos acionam a Infinity Asset Management, seu sócio-fundador, David Jesus Gil Fernandez, a Vanquish Asset Management, primeira sucessora dos portfólios, além de todos os administradores fiduciários que prestaram serviços considerados “essenciais” ao longo da vida das carteiras: BRB DTVM, Santander Caceis, Planner Corretora e RJI Corretora. O valor da ação é R$ 404,752 milhões.
Na petição, o Veirano Advogados, que representa os fundos, expõe que diversas operações com derivativos, sem garantia, foram realizadas “com o objetivo de desviar recursos para o grupo Infinity”. “Como confessado por David Fernandez, mentor da fraude perpetrada contra os mais de 5 mil cotistas dos fundos, o patrimônio dos fundos foi utilizado como uma extensão do grupo Infinity, com a única finalidade de financiar a Infinity Corretora e a ICP.”
O documento, com mais de 1,7 mil páginas, aponta que “a fraude tem a assinatura e as credenciais da Infinity Asset e de seu sócio administrador”. Já os administradores dos fundos, “que tinham o papel de fiscalizar a gestão da Infinity Asset e da Vanquish Asset, foram, ao menos, absolutamente omissos, negligentes e contribuíram decisivamente para a perpetuação da fraude e incremento da exposição dos fundos”, diz o texto.
O relato traz que, entre 2015 e 2023, “a liquidação das operações foi, em grande medida, postergada sucessivamente, expondo o patrimônio líquido dos fundos a riscos incompatíveis com a segurança de fundos renda fixa, sem que os administradores tenham exercido, minimamente, seus deveres fiduciários. Como resultado, as operações foram realizadas ao longo de nove anos e, ao final, quando vencidas, foram inadimplidas pela ICP, sociedade integrante do grupo Infinity”.
“No contexto fraudulento em que os fundos foram inseridos, não são necessários maiores esclarecimentos para se constatar o óbvio: David Fernandez, valendo-se de pessoa jurídica interposta e diretamente relacionada à sua filha, realizou operação em valor superior a R$ 80 milhões sem nenhuma análise e/ou justificativa financeira para tanto, com o único propósito de se locupletar ilicitamente às custas dos cotistas, contando ainda, com a conivência e omissão da Planner [administradora dos fundos à época], que nada fez para impedir tal operação”, afirma o Veirano Advogados.
“Não há notícia de que tenha sido realizada análise de crédito da Ajuz pela Infinity Asset, fato corroborado pelos fatos relevantes de 28 e 29 de setembro de 2020.” Nas datas citadas, a Planner informou que, após submeter determinados ativos do fundo – aqueles com lastro em crédito privado vinculado à Ajuz – a testes de “impairment”, com análises quantitativas e qualitativas, “concluiu haver a necessidade de provisionamentos que façam frente a eventuais perdas futuras”. A administradora remarcou os ativos, o que resultou numa redução de 22,54 pontos-base no saldo daquela posição.
A Vanquish sucedeu a Infinity em março de 2023, também com anuência dos investidores, apesar de ter na sua estrutura societária nomes oriundos da antiga casa e que trabalhavam com Fernandez. Operações com opções flexíveis, no mesmo formato daquelas que causaram perdas aos cotistas dos fundos da Infinity, também foram feitas, resultando numa transferência de mais de R$ 12 milhões para a ICP.
Em despacho disponibilizado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 1º de julho de 2023, o procurador Márcio Schusterschitz da Silva Araújo, que conduziu procedimento investigativo criminal que deu origem a inquérito da Polícia Federal (PF), apontou evidências de prática de crimes contra o sistema financeiro nacional por parte dos dirigentes da Vanquish Asset, “que é uma extensão do grupo Infinity e foi gestora dos fundos entre 2023 e 2024”.
O sócio majoritário da Vanquish, André de Godoy Perez Ximenes, admitiu no seu depoimento ao MPF que a tal da “megaoperação complexa [o box] não passou, no limite, de uma operação de crédito, em que os aportes dos cotistas foram fraudulentametne repassados àqueles que deveriam zelar pelo bom investimento desses mesmos recursos”.
Na Vanquish, opções no mesmo formato da Infinity, com transferência adicional de mais de R$ 12 milhões para a ICP
O processo cível é apenas uma das pontas da estratégia que a Arm traçou para descobrir o caminho do dinheiro e reembolsar os investidores. Em paralelo, a gestora contratou o escritório Huck Otranto Camargo para que a criminalista Marta Cristina Cury Saad Gimenes acompanhe a ação penal, em São Paulo, e municie o Ministério Público e a PF nas investigações. Junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a casa auxilia na documentação sob a expectativa de novo processo administrativo sancionador. Há ainda uma ação de cobrança contra a ICP.
“Conseguimos levantar documentos e cruzar informações registradas que dão forte embasamento ao trabalho de recuperação do dinheiro dos investidores”, afirma Rafael Pesce, sócio da Arm Gestão, Consultoria e Participações. O executivo passou anos no Banco Brasil Plural (atual Genial Investimentos), atuando na área de recuperação de ativos estressados ligados a fundos de pensão que sofreram perdas em casos envolvendo pagamento de propina.
A gestora foi fundada no meio do ano passado e assumiu na sequência o legado de fundos da Infinity, que estavam nas mãos da Vanquish, conforme aprovado em assembleia pelos cotistas. No conjunto, Pipa, Coral e Forte chegaram a reunir cerca de R$ 1 bilhão. As carteiras estão agora em liquidação.
Em outubro de 2023, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras recomendou que a PF e o Ministério Público entrassem no caso para verificar “possíveis crimes contra a ordem econômica”. No texto, o deputado Ricardo Silva (PSD-SP) afirmou que as condutas de Infinity Asset e de Fernandez revelaram haver “movimentação atípica” em fundos da gestora. O executivo chegou a ser convocado para depor, mas não compareceu.
Procurado, o escritório que presta assessoria jurídica a Fernandez não respondeu à reportagem. Representantes da Vanquish também não se manifestaram, bem como BRB e Santander Caceis. A Planner preferiu não comentar.
Por meio de nota, a RJI afirmou não ter sido “notificada de qualquer ação judicial movida pelos fundos e reitera que não praticou qualquer irregularidade”. Reiterou ser “administradora dos fundos e, nessa qualidade, não decide as operações que serão celebradas por tais veículos. Esse papel é do gestor, cargo ocupado por outras instituições. Além disso, quando a RJI assumiu a administração dos fundos, sua carteira já era majoritariamente composta, havia bastante tempo, pelas operações ‘box’ que causaram os prejuízos”.
Ao recuperar o histórico do caso, o Veirano traz “que os ilícitos e os danos suportados pelos fundos” foram objeto de investigações pela CVM e pela Anbima, a autorregulação, que representa o mercado de capitais e de investimentos, e resultaram na condenação dos envolvidos.
“A Infinity Asset foi suspensa e condenada, pela CVM, ao pagamento de multa milionária, além de ter sido desligada do quadro associativo da Anbima e ter perdido o selo pelo período de cinco anos. Além disso, David Fernandez e BRB também foram condenados administrativamente ao pagamento de multas pecuniárias em razão das práticas irregulares acima descritas.”
Em dezembro de 2023, a CVM aplicou multas de mais de R$ 7 milhões à diretoria, inabilitou a Infinity e impediu Fernandez, como diretor responsável pela gestão, de atuar no mercado financeiro por cinco anos. A punição não foi, contudo, relativa aos fatos que ganharam publicidade do fim de 2023 para cá, mas de um processo sancionador datado de 2018. Um termo de compromisso foi rejeitado pela autarquia em janeiro de 2021 por entender que elementos que levaram à acusação não tinham cessados.
A CVM identificou infrações como descumprimento a itens do regulamento, citando que a gestão não obedeceu a limites de concentração por emissor nas aplicações em opções flexíveis e sem garantia e pelo fato de os fundos não se enquadrarem aos 80% de exposição a ativos relacionados ao fator de risco que dava nome às carteiras (renda fixa).
A CVM apontou ainda que os fundos “foram utilizados para financiar a ICP, sem que houvesse preocupação com os riscos de tais operações”, concebidas apenas para atender aos interesses do grupo Infinity, “recaindo o risco de crédito integralmente para os portfólios e caracterizando a “suplantação dos interesses dos cotistas em benefício do grupo Infinity”. Fernandez declarou que o objetivo dessas operações era o financiamento da Infinity Capital, frisando que, assim como os fundos Infinity, a Infinity Corretora atuava na ponta doadora financiando a ICP. Ou seja, aquele “modus operandi“ teve continuidade.

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