Cresce o número de emissores que negociam dispensa de obrigações previstas na operação, em cenário de juros e custos da construção em alta

A combinação de juros e custos de construção em alta e vendas em queda tem provocado pagamentos em atraso, pedidos de dispensa das obrigações previstas em contrato e menos emissões de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). Ao mesmo tempo, o recuo nas cotações dos fundos de investimento imobiliário (FIIs), que encerraram 2024 com a terceira maior desvalorização de sua história (5,9%, pelo Ifix, índice de referência do setor), também reduziu a demanda por esses papéis.
Após crescer 23,5% no ano passado, o volume de ofertas de CRIs registrou queda nos primeiros meses de 2025. Entre janeiro e março, o recuo foi de 42,21%, de R$ 15,5 bilhões para R$ 8,9 bilhões, segundo levantamento da MerCap Solutions, plataforma de inteligência de dados e serviços de tecnologia para o mercado de capitais. Para efeito de comparação, as debêntures incentivadas – que também dão isenção de Imposto de Renda ao comprador – cresceram 102,6%, de R$ 21,9 bilhões para R$ 44,4 bilhões no período.
“A queda no volume de CRIs mostra que as empresas não estão sentindo segurança para montar operações”, afirma Felipe Moraes, presidente da Bamboo DCM, casa independente especializada em crédito estruturado. “Os juros nos níveis atuais exigem um volume de vendas que não está sendo alcançado no mercado.” Segundo ele, em janeiro e fevereiro, frente ao mesmo período de 2024, o número de CRIs em default aumentou 20%.
O recuo visto neste ano também sofre influência da mudança na base de comparação após a adoção de novas regras para o papel. Até o início de 2024, empresas de fora do mercado imobiliário, como bancos e varejistas, podiam emitir CRIs usando aluguéis como lastro. Essas operações, muitas de grande volume, foram barradas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em fevereiro do ano passado, mas as ofertas que estavam em andamento não foram afetadas. Com isso, o volume subiu de R$ 3 bilhões em janeiro para R$ 8 bilhões no mês seguinte.
Apesar da queda das emissões em 2025, Eugênia Souza, sócia e diretora da área de dívida corporativa da Vórtx, diz que este ainda será um ano movimentado para esses papéis. “Há uma oscilação natural por causa da alta dos juros, mas a renda fixa continuará sendo atrativa. Mesmo em um momento de dívida cara, as companhias irão captar”, afirma.
Para Eduardo Levy, da Virgo, “a janela é curta para tirar conclusões” sobre como será o ano para os CRIs. “Neste momento, o que acontece é que muitas empresas com boa qualidade de crédito continuam podendo tomar dinheiro no mercado com spreads semelhantes aos do ano passado. Outras estão em um momento diferente, precisando repactuar suas dívidas”, afirma.
A preocupação com o cenário macroeconômico e as questões fiscais deve afetar os planos das empresas, diz Levy. Só que o esgotamento das formas clássicas de financiamento, sobretudo a poupança, pode impulsionar a busca pelo mercado de capitais. Em 2024, os CRIs ganharam mais espaço no “funding” imobiliário, passando de 8% para 9% do volume total, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). “O mercado de capitais vai ser cada vez mais relevante”, diz Sandro Gamba, presidente da entidade.
A projeção da Abecip é que o volume de financiamento caia 10% em 2025, considerando as operações com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e do FGTS. De acordo com Gamba, a redução das emissões nos primeiros meses do ano reflete, além da mudança na base de comparação, um movimento de adaptação das empresas a um novo cenário de taxas. Em janeiro, o financiamento do SBPE também caiu, diz ele, e a tendência é que essa linha diminua ou não cresça.
As incorporadoras ainda estão recalculando a rentabilidade esperada dos novos projetos”
— Lucas Drummond
Com a poupança menor, outras frentes devem avançar, como o financiamento atrelado ao CDI e a estruturação de CRI para projetos, afirma. “O que sabemos com certeza é que há projetos imobiliários para ser contratados. Não aconteceram em janeiro nem em fevereiro, mas devem acontecer ao longo do ano.”
As condições de novas emissões de CRI, no entanto, pioraram. Um dos sinais disso é o prazo mais curto em grande número de operações, de até cinco anos, que passou a ser visto com mais frequência, quando antes a maioria superava esse período. As ofertas também passaram por um ajuste de volume, diz Lucas Drummond, responsável pela área de securitização da Opea.
“As incorporadoras ainda estão recalculando a rentabilidade esperada dos novos projetos imobiliários”, afirma. “A alta dos juros impacta também a viabilidade de operações atreladas a IPCA, como geralmente são as modelo “built to suit” [feito sob medida para o inquilino] e de ‘sale and lease back’ [em que um investidor compra imóveis prontos, como lojas e supermercados, e aluga para o antigo proprietário]”, diz ele.
As empresas continuarão precisando de fontes para se financiar, diz Drummond, mas devem repensar as estratégias. “Os principais compradores desses papéis são os fundos imobiliários, que têm sofrido com a redução do valor das cotas. Se isso melhorar e o capital voltar para os fundos, é provável que os emissores sejam motivados a fazer mais ofertas.”
A alta dos juros também tem elevado a inadimplência no segmento. Em janeiro, R$ 4,5 bilhões em CRIs estavam com créditos vencidos, segundo levantamento da plataforma Uqbar, especializada em crédito estruturado, a pedido do Valor. Somente entre janeiro e 21 de março, 30 operações, de diversos emissores, pediram ou tiveram aceitas solicitações de dispensa de obrigações do devedor previstas na transação, mecanismo conhecido no mercado como “waiver de covenants”.
Entre os exemplos estão credores que, em assembleia, concordaram em renunciar a encargos moratórios, deram prazo adicional de até 90 dias para pagamentos ou, o mais frequente, abriram mão do direito de pedir vencimento antecipado da dívida, o que geralmente é usado para proteger o credor de um prejuízo maior, entre outros. São transações que, quando foram formatadas, estavam com os juros mais baixos do que agora ou tinham em perspectiva que o país estava em pleno afrouxamento monetário, cenário que deu uma guinada em junho do ano passado, quando a Selic voltou a subir. Ou seja, a premissa de custo de capital mudou no meio do caminho e desestabilizou as contas.
Murilo Marchesini, sócio-fundador da Finamob, plataforma de originação de crédito especializada em incorporadoras e loteadoras, conta que o volume de pedidos de flexibilização de exigências começou a aumentar no último trimestre de 2024. “Como primeiro passo, as empresas chamam assembleias e pedem ajustes. Se não for suficiente, fazem a reestruturação completa. O ano vai ser duro, com fluxo de caixa apertado.”
Não só o juro alto tem impacto nas vendas de imóveis e na captação, mas também o preço de venda fixado pelas incorporadoras não vem cobrindo os custos. O Índice Nacional de Custo da Construção-M (INCC-M), da Fundação Getulio Vargas, subiu de 3,29% no acumulado em 12 meses até março de 2024 para 7,32% no mês passado. Ainda não há dados oficiais de 2025 sobre vendas de imóveis, mas Moraes, da Bamboo DCM, comenta que tem visto boas operações em locais com grande déficit habitacional ou para empreendimentos de alta renda. “A classe média segue com a demanda reprimida.”
O cenário negativo aumentou o foco no segmento de gestoras que investem em créditos de empresas com problemas de liquidez, conhecidas no mercado como “special situations”. Cristian Lara, sócio da Strategi, afirma que o ano começou mais forte para esse tipo de investimento na indústria imobiliária. Antes, os bancos eram “o fiel da balança”, recorda ele. Agora, com o crescimento do mercado de capitais e também das gestoras de ativos estressados, os desfechos das negociações são diferentes.
A gestora, por exemplo, recentemente adquiriu os créditos de um empreendimento que havia parado por falta de recursos e está finalizando a obra. O caso se soma a outras transações em andamento na gestora que incluem prédios inteiros. “Estamos vendo as oportunidades crescendo e estamos investindo no setor.”

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