Os avanços institucionais dos últimos anos podem ajudar a moderar os impactos da piora das condições financeiras sobre o mercado de crédito

O forte aperto monetário em curso contrata uma desaceleração econômica para 2025 e 2026 e, com isso, uma nova fase no ciclo de crédito. Os avanços institucionais dos últimos anos, no entanto, devem fazer com que os impactos sobre a inadimplência sejam moderados.
A literatura acadêmica mostra que o crédito acompanha e reforça os ciclos econômicos. Em períodos de expansão, empresas e famílias se endividam. Com a alta decorrente da inflação e dos juros, as condições financeiras pioram, a economia esfria e o desemprego sobe. O resultado é o aumento da inadimplência e do risco de crédito, reduzindo a oferta de novas linhas e ampliando a própria desaceleração.
Este ciclo pode ser observado na experiência brasileira e traz aprendizados importantes. De modo geral, os movimentos em concessão, saldo e inadimplência têm em comum o fato de serem influenciados defasadamente por confiança, juros e crescimento econômico.
No caso da inadimplência das famílias, variáveis adicionais como renda, endividamento, comprometimento de renda e, principalmente, inflação importam. Para as empresas, o nível de utilização da capacidade instalada é um bom indicador de saúde financeira.
Nos últimos 24 anos, houve três ciclos de crédito bem definidos no Brasil, medidos pelas altas na inadimplência no segmento de recursos livres.
O primeiro ocorreu após o longo período de crescimento dos anos 2000. As medidas de controle fiscal e monetário adotadas depois das eleições de 2010 moderaram a expansão da economia e do crédito. Porém, as medidas regulatórias e prudenciais tiveram maior peso que variáveis macroeconômicas, como inflação e crescimento.
O resultado foi um salto dos atrasos no segmento de pessoa física, que alcançou em meados de 2012 o pico histórico de 7,2%. Sem uma crise econômica aberta, a inadimplência das empresas mostrou alta moderada.
O segundo ciclo de crédito acompanhou as graves turbulências econômicas e políticas de 2015. Com choque externo, crise de confiança, desvalorização cambial, correção de tarifas públicas e alta de juros, o período foi marcado por uma combinação incomum de recessão e inflação, impactando de modo expressivo a qualidade das carteiras da indústria bancária e a oferta de novos financiamentos.
No segmento de recursos livres, a inadimplência das famílias teve pico de 6,3% no início de 2016. As empresas viveram sua pior crise de crédito, com os pedidos de recuperação judicial alcançando seu pior momento em setembro de 2016 e os atrasos atingindo o valor recorde de 5,9% em maio de 2017.
O terceiro ciclo de crédito foi observado após a pandemia. O IPCA alcançou 12% em meados de 2022, o segundo nível mais alto em 25 anos. Foi o resultado de uma rápida recuperação do consumo, restrições de oferta, problemas nas cadeias globais de produção e alta de preços de matérias primas, em particular o petróleo após a crise na Ucrânia. Neste ambiente, a inadimplência das famílias voltou para 6,3% no segundo trimestre de 2023.
No caso das empresas, a superação da recessão e a sustentação da demanda postergaram os impactos sobre concessões, saldos e inadimplência. Mas os ajustes vieram após os eventos de crédito no início de 2023, com um alta moderada tanto dos pedidos de recuperação judicial quanto da inadimplência, que saiu de níveis historicamente baixos para o patamar bem-comportado de 3,6% ao final do mesmo ano.
Tudo sugere que o país esteja agora diante de um novo ciclo. O forte aperto monetário e a piora das condições financeiras contratam uma desaceleração econômica e incentivam uma postura de maior cautela na oferta de crédito, levando a um crescimento mais moderado das carteiras que confirma e reforça a própria desaceleração econômica.
O problema é que o ciclo econômico deverá encontrar empresas em uma posição financeiramente frágil e famílias com níveis elevados de dívida e comprometimento de renda.
Segundo os dados da Serasa, os pedidos de recuperação judicial (RJ) estão em alta nos últimos dois anos. Preocupa o caso das empresas de menor porte, mais expostas ao aperto monetário em função de estruturas de capital e governança menos robustas. Com maior dificuldade de acesso às linhas bancárias e não bancárias, os pedidos de RJ estão em seus níveis mais elevados em quase duas décadas.
Dois fatores podem agravar o quadro. O primeiro é que, dependendo do comportamento da confiança de empresários e investidores, a contração na oferta pode ser acelerada, antecipando e ampliando o ciclo econômico. Na tentativa de proteger seus balanços, a fuga para a qualidade de bancos e investidores tende a agravar o problema das empresas menores.
O segundo fator é que o aumento do risco associado a uma eventual piora no ambiente financeiro, econômico e político pode pressionar os spreads bancários, mesmo em um quadro de redução da taxa básica de juros.
Diante dos riscos, há consenso de que o ritmo de crescimento dos saldos bancários neste ano será menor. Apesar dos desafios, no entanto, ajuda o fato de o país ter avançado institucionalmente.
No caso das famílias, a independência formal do Banco Central contribui para que o reequilíbrio econômico ocorra por meio do crescimento, e não da inflação. As chances de que o país repita os choques inflacionários de 2015 e 2022 são menores. Ao mesmo tempo, as mudanças estruturais no mercado de trabalho, o maior peso dos programas sociais e os diversos estímulos do governo protegem a renda.
Para as empresas, a competitividade do setor exportador, a maior relevância do mercado de capitais e o conjunto de reformas feitas entre 2016 e 2021 tornam a economia mais resistente a choques e suavizam o ciclo econômico.
Este cenário permite que bancos, famílias e empresas tenham tempo para se preparar para um ciclo financeiro mais desafiador. Dificilmente haverá um choque como os de 2010, 2014 e 2020.
Embora estes fatores não sejam suficientes para evitar uma piora no mercado de crédito ao longo dos próximos meses, a tese é que a maior estabilidade econômica e institucional dificulta a repetição dos picos de inadimplência observados em 2012 para as famílias e em 2017 para empresas.
Tudo sugere que as reformas sejam uma novidade no atual ciclo de crédito, uma diferença importante em relação às experiências anteriores.
Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/reformas-suavizam-ciclo-de-credito.ghtml

Tudo Sobre FIDCS
A plataforma com as principais notícias do mercado! No Tudo Sobre FIDCs, você encontra tudo o que precisa saber sobre o universo dos FIDCs: notícias diárias, relatórios de mercado e estratégias para se manter sempre à frente.
Acompanhe e esteja bem informado sobre o mercado de capitais.