Estoque avança em ritmo superior a 10% e inadimplência tem leve queda; para analistas, cenário para este ano é complexo
Apesar da política monetária restritiva e do início de um novo ciclo de alta da Selic, o ritmo de crescimento do crédito acelerou em 2024 para 10,9%, de 8,1% no ano anterior. O tema chama a atenção do Comitê de Política Monetária (Copom) como um dos fatores que levaram à surpresa na atividade econômica nos últimos trimestres, ao lado da expansão fiscal e da força do mercado de trabalho. A inadimplência, que poderia começar a dar sinais de piora em meio a um contexto macroeconômico mais complexo, teve leve melhora.
Com esse crescimento, o saldo de crédito chegou a R$ 6,4 trilhões em dezembro do ano passado. Os dados do Banco Central (BC) mostram aceleração tanto no crédito para pessoas físicas (12,1% em 2024, contra 10,5% em 2023) como para pessoas jurídicas (9,1% em 2024, contra 4,7% em 2023).
Na ata da última reunião, o Copom apontou que a demanda interna estava crescendo em ritmo intenso, apesar da política monetária contracionista. Nesse sentido, o colegiado citou os impulsos de crédito e fiscais mais fortes do que o esperado como “elementos mitigadores concorrendo com o impacto da política monetária sobre a atividade”.
Para Pedro Cutolo, co-CIO da One Wealth, mesmo que a política monetária tenha um efeito contracionista, a política fiscal está “turbinando” a economia, pressionando a inflação e mantendo a taxa de desemprego baixa. “Tanto a política monetária quanto a política fiscal têm um efeito defasado sobre a atividade e, enquanto a política fiscal turbina a economia já há mais tempo, a política monetária só puxou o freio de mão a partir de setembro”, disse.
O Copom iniciou o atual ciclo de alta nos juros em setembro de 2024, quando a Selic passou de 10,50% para 10,75% ao ano. A expectativa para a primeira reunião do ano, que tem início nesta terça-feira, é de continuidade do ciclo com uma elevação de 1 ponto percentual, o que levaria a taxa básica de juros para 13,25% ao ano. O colegiado também sinalizou uma outra alta de 1 ponto para março.
A avaliação do chefe-adjunto do departamento de estatística do BC, Renato Baldini, é que as elevações na Selic já aparecem nas taxas de juros cobradas no mercado, que tiveram uma “alta generalizada”. A taxa média de juros passou de 28,2% de dezembro de 2023 para 28,7% no último mês de 2024. “Essa alta generalizada, ainda que talvez não seja tão expressiva, acho pode ser atribuída à política monetária, à elevação da Selic”, disse.
Em “live” organizada pela Bradesco Asset Management no dia 13 de janeiro, o diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, afirmou que as condições monetárias restritivas estão se transmitindo da forma esperada para as taxas de juros, mas o crédito está mais forte que o previsto. Pode ser, segundo ele, que a transmissão dos juros para o crédito esteja levando mais tempo. Ou que o mercado de crédito esteja mais competitivo, “exigindo um volume de concessão maior mesmo em um cenário mais adverso”.
Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, aponta que o aumento nas taxas de juros nos últimos meses de 2024 “tem bastante aderência” ao início do ciclo de alta do Copom, mas não explica a dinâmica do ano. “Acredito que boa parte da piora no custo da dívida se explica pela migração para linhas de maior custo”, disse.
Borsoi ainda projeta um “menor ímpeto” no crédito em 2025 e cita os juros mais altos e a desaceleração da economia como fatores “que sugerem uma piora na inadimplência e uma menor disposição dos bancos em oferecer crédito”. O próprio BC projeta um crescimento menor este ano, de 9,6%.
Os dados de dezembro publicados pelo BC ainda mostram uma queda na inadimplência de 3,2% no fim de 2023 para 3% no ano passado, e redução nos spreads — a diferença entre os juros cobrados e a taxa de captação — de 19,5 pontos percentuais para 17,8.
Para Cutolo, da One Wealth, a redução dos spreads pode ser explicada pela atividade econômica forte no ano passado e pela redução do desemprego, “que reduzem a probabilidade de calote”. O economista espera uma elevação da inadimplência em 2025 pela perspectiva de uma desaceleração econômica.
Para os analistas do Citi, a desaceleração do crescimento do crédito para empresas e famílias parece estar contribuindo para controlar a inadimplência, em meio a spreads mais apertados. Eles apontam que a inadimplência PF, de 3,5%, está bem abaixo do pico de 4,2% visto em maio de 2023. “A inadimplência PF melhorou devido à redução no crédito direcionado (-0,3 pp de novembro para dezembro, para 1,4%), enquanto a inadimplência em PJ melhorou devido à linha de capital de giro (-0,7 pp, para 4,0%)”, diz o Goldman Sachs. No crédito direcionado de pessoa física, a queda na inadimplência foi puxada pelo rural. (Colaborou Álvaro Campos)