A LC 214/25 estabelece a tributação de FIDC com IBS e CBS, aplicando-se apenas a FIDCs não classificados como entidades de investimento.
1 – Introdução
A LC 214, de 16/1/251, promove uma transformação significativa no sistema tributário brasileiro, especialmente no que tange à tributação sobre o consumo.
Essa lei cria dois novos tributos, que seguem o modelo de IVA – Imposto sobre Valor Agregado, visando a simplificação e transparência na arrecadação tributária.
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Além desses tributos, a lei cria o IS – Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, de competência Federal, que incidirá sobre: veículos; embarcações e aeronaves; produtos fumígenos; bebidas alcoólicas; bebidas açucaradas; bens minerais; concursos de prognósticos e fantasy sport.
O tema proposto neste artigo se relaciona com os tributos que incidirão sobre os serviços financeiros, portanto, IBS e CBS, e especificamente a hipótese de incidência sobre as operações do FIDC – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios.
2 – Reforma tributária e serviços financeiros
A reforma tributária promovida pela LC 214, de 16/1/25, está fundada na EC 132, de 20/1/242.
Essa EC 132 lançou, no art. 10, o conceito de serviços financeiros, incluindo:
a) operações de crédito, câmbio, seguro, resseguro, consórcio, arrendamento mercantil, faturização, securitização, previdência privada, capitalização, arranjos de pagamento, operações com títulos e valores mobiliários, inclusive negociação e corretagem, e outras que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos;
b) outros serviços prestados por entidades administradoras de mercados organizados, infraestruturas de mercado e depositárias centrais e por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na forma de lei complementar;
Por essa razão é que os tributos IBS e CBS irão incidir sobre o gênero fomento comercial: a faturização, a securitização e as empresas simples de crédito.
A LC 214/25 dispõe expressamente sobre a incidência do IVA dual (IBS e CBS) no segmento financeiro de fomento e securitização, nos arts. 182 e 183.
A base de cálculo do IBS e da CBS será o deságio, ou seja, corresponderá ao desconto aplicado na liquidação antecipada do recebíveis pelas empresas do segmento de fomento e securitização, e empresas simples de crédito.
É importante destacar que a lei permite, no art. 193, a dedução das despesas financeiras com a captação de recursos, e das despesas com a emissão, distribuição, custódia, escrituração, registro e formalização na atividade de securitização. Também está permitida a dedução das perdas incorridas no recebimento de créditos e as perdas na cessão destes créditos e na concessão de descontos, desde que sejam realizados a valor de mercado.
As perdas que não puderem ser integralmente deduzidas da base de cálculo de um determinado período de apuração, por excederem os valores tributáveis em tal período, poderão ser deduzidas nos períodos subsequentes.
3 – O FIDC na reforma tributária
A redação original do PLP 68/24, divulgada em 4/7/24, previa a tributação do FIDC pelo IVA Dual (IBS e CBS) sem qualquer exceção ou ressalva.
Em 9/7/24, a convite e orientação do presidente da ABRAFESC3, senhor Hamilton de Brito Júnior, inspirados na redação do PLP 054/24, redigimos uma emenda4 prevendo a incidência da nova tributação apenas sobre o FIDC não enquadrado como entidade de investimento. Essa emenda foi apresentada na Câmara dos Deputados pelo deputado Federal Eros Biondini, sob o número 124, e foi aprovada por 239 deputados, sendo incorporada na redação final5 do PLP 68 no dia 10/7/24.
O PLP foi aprovado no Senado Federal, com alteração na topografia e numeração, mas, mantendo a redação apresentada na emenda 124.
A LC 214, de 16/1/25, prevê a incidência do IVA Dual (IBS e CBS) sobre as operações do FIDC não enquadrado como entidade de investimento, veja:
Art. 193. Fica sujeito à incidência do IBS e da CBS pela alíquota prevista nesta Seção as operações de securitização e de faturização (factoring) de que tratam os incisos IV e V do caput do art. 182.
§ 5o Aplica-se o disposto neste artigo ao Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que liquide antecipadamente recebíveis comerciais por meio de desconto de duplicatas, notas promissórias, cheques e outros títulos mercantis, conforme definidos em regulamentação a ser expedida pelo Conselho Monetário Nacional, caso não seja classificado como entidade de investimento, de acordo com o disposto no art. 23 da Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023, e em sua regulamentação.
A mesma exceção está prevista para o FIDC de arranjo de pagamento (recebíveis de cartões), ou seja, o IVA Dual (IBS e CBS) incidirá sobre as operações do FIDC não enquadrado como entidade de investimento, veja:
Art. 219. A liquidação antecipada de recebíveis de arranjos de pagamento será tributada pelo IBS e pela CBS na forma deste artigo.
§ 6º O disposto neste artigo aplica-se também ao FIDC e aos demais fundos de investimentos que liquidem antecipadamente recebíveis de arranjos de pagamento, que serão considerados contribuintes do IBS e da CBS caso não sejam classificados como entidades de investimento, de acordo com o disposto no art. 23 da Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023, e em sua regulamentação.
O critério para a incidência ou não do IVA Dual sobre as operações de FIDC é um só: o enquadramento do FIDC como entidade de investimento.
Não há na lei da reforma tributária nenhuma menção à quantidade de cotistas do fundo, ou à quantidade de cedentes ou sacados.
Portanto, para fins de incidência do IBS e da CBS, não interessa se o FIDC é monocotista, exclusivo, fechado, aberto, restrito ao investidor profissional, restrito ao investidor qualificado, ou se admite o investidor comum (chamado de investidor de varejo ou do público em geral).
Também não interessa se o FIDC é multicedente ou multisacado, ou de um único cedente ou sacado.
Como dito, o único critério previsto na lei, para a incidência do IVA Dual sobre as operações de FIDC, é o não enquadramento do fundo como entidade de investimento.
O FIDC não enquadrado como entidade de investimento sofrerá a incidência do IBS e da CBS sobre suas operações (sobre o deságio aplicado na antecipação de direitos creditórios).
O FIDC enquadrado como entidade de investimento seguirá sem a incidência do IBS e da CBS sobre suas operações.
4 – Enquadramento do FIDC como entidade de investimento
O enquadramento do FIDC como entidade de investimento depende do cumprimento de duas condições, previstas na lei 14.754/236 (arts. 19 e 23) e na resolução CMN 5111/237:
- Possuir estrutura de gestão profissional, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e de desinvestimento de forma discricionária;
- Possuir carteira composta de, no mínimo, 67% de direitos creditórios do mercado (excetuados desse percentual os títulos públicos e títulos de emissão ou coobrigação de instituições financeiras).
O FIDC que cumpre essas duas condições, está livre da tributação periódica do IR – Imposto de Renda come-cotas e do IVA Dual (IBS e CBS).
Advogamos que todo FIDC já possui, naturalmente, uma estrutura de gestão profissional, formada pelos prestadores de serviços essenciais: gestor da carteira e administradora fiduciário.
Nesse sentido, basta que os prestadores de serviços essenciais do FIDC (gestor da carteira e administradora fiduciário) tenham poderes para tomar decisões de investimento e de desinvestimento de forma discricionária, para que o fundo cumpra o primeiro requisito de enquadramento.
O cumprimento do segundo requisito de enquadramento (67% do patrimônio líquido investido em direitos creditórios) dependerá da gestão da carteira pelo gestor. O gestor deve manter o controle dos aportes de recursos promovidos pelo(s) investidor(es) cotista(s), do investimento em direitos creditórios (compra de recebíveis) e da liquidez do fundo (dinheiro em conta bancária). Aqui é suficiente lembrar que se trata de FIDC, ou seja, de fundo de investimento em Direitos Creditórios, não de fundo de investimento financeiro (voltado para ações, títulos públicos, índices etc). Dito isso, vale considerar que o patrimônio líquido do FIDC deve ser formado por recebíveis, direitos creditórios, e não por outros ativos, bens e/ou dinheiro. O FIDC busca rentabilizar o(s) investidor(es) cotista(s) por meio da aquisição de direitos creditórios, por isso, o objetivo é que 100% da sua carteira seja formada por recebíveis, sendo plenamente aceitável o percentual mínimo de 67% do PL como critério de exclusão adotado pela nossa legislação.
Logo que foi sancionada a reforma tributária, matérias publicadas na mídia em geral noticiaram que o FIDC de varejo estaria isento da tributação, enquanto o FIDC patrimonial não estaria isento8.
Essas notícias não procedem. Primeiro porque não existe a classificação de FIDC de varejo e FIDC patrimonial.9 Segundo porque o legislador não adotou esse critério para a incidência da tributação, como já bem exposto acima.
5 – E por que o FIDC não é (ou não deveria ser) tributado?
O FIDC não é (ou não deveria) ser tributado por uma simples razão: porque não é pessoa jurídica, mas, condomínio de natureza especial.
A natureza jurídica de condomínio do FIDC, e de qualquer outro fundo de investimento, está definida no art. 1.368-C do CC10.
Historicamente, a natureza de condomínio e a exclusão da tributação do imposto de renda dos fundos de investimento foram tratadas na lei no 3.470/5811.
Essa é a razão histórica pela qual os fundos nunca sofreram tributação operacional (sobre suas operações e receitas), ou seja, a atividade dos fundos nunca atraiu qualquer tributação (IR, CSLL, PIS/Cofins, IOF, ICMS, ISSQN etc), uma vez que a tributação do imposto de renda incide sobre os rendimentos das cotas amortizadas ou resgatadas pelo investidor cotista pessoa física ou jurídica12.
Além da razão estrutural e histórica, vale pontuar outros argumentos que apontam para a não incidência de quaisquer tributos sobre as operações do FIDC.
O imposto de renda não incide sobre o patrimônio líquido do FIDC porque ele não possui renda. O IR incide sobre os rendimentos do cotista, tanto na modalidade da tributação periódica, conhecida como come cotas, quanto na modalidade da amortização ou do resgate.
O IVA Dual não incide (ou não deveria incidir) sobre as operações do FIDC por duas razões simples: a antecipação de recebíveis não é relação de consumo e não agrega valor ao seu destinatário.
A exposição de motivos13 da reforma tributária deixa claro que o IVA Dual veio tributar o consumo, o que também está bem definido no art. 2º da LC 214/25. Além disso, a hipótese de incidência dos tributos IBS e CBS mira o valor agregado pelo fornecedor de um bem ou de um serviço.
O FIDC opera com a aquisição e antecipação de recebíveis, relação que não se enquadra no conceito de consumo, uma vez que o valor de um recebível antecipado pelo fundo ao seu cedente é insumo. Não há relação de consumo entre o FIDC e o cedente do direito creditório, essas partes não se enquadram nos conceitos de fornecedor e consumidor do CDC. Não há fornecimento de bem ou prestação de serviço com valor agregado pelo FIDC ao cedente. Muito pelo contrário, o FIDC aplica um deságio sobre o valor do recebível adquirido e antecipado, ou seja, desagrega valor.
6 – Conclusão
A LC 214, de 16/1/25, prevê a incidência do IVA Dual (IBS e CBS) sobre as operações do FIDC não enquadrado como entidade de investimento, nos arts. 193, § 5o, e 219, § 6º.
O FIDC não enquadrado como entidade de investimento deverá recolher o IBS e a CBS sobre suas operações (sobre o deságio aplicado na antecipação de direitos creditórios).
O FIDC enquadrado como entidade de investimento seguirá sem a incidência do IBS e da CBS sobre suas operações.
O critério para a incidência ou não do IVA Dual sobre as operações de FIDC é um só: enquadramento do FIDC como entidade de investimento, conforme disposto na lei 14.754/23 (arts. 19 e 23) e na resolução CMN 5111/23.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/423611/o-fidc-na-reforma-tributaria