Decisão de ministro do Supremo Tribunal Federal, obtida pelo GLOBO, aponta indícios de um ‘verdadeiro comércio de decisões judiciais’ entre servidores do Superior Tribunal de Justiça; magistrados da Corte não são investigados
Por Mariana Muniz , Sarah Teófilo , Eduardo Gonçalves e Patrik Camporez — Brasília
Mensagens apreendidas pela Polícia Federal na investigação sobre o suposto esquema de venda de sentenças no Superior Tribunal de Justiça (STJ) mostram como teriam atuado assessores ligados a gabinetes de três ministros da Corte. Os trechos constam em decisão sigilosa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, que determinou busca e apreensão em endereços de três servidores e o afastamento deles. Os ministros do STJ não são investigados.
Decisão: Lobista preso atuou em ‘verdadeiro comércio de decisões judiciais’ entre servidores do STJ, diz Zanin em investigação
“A gravidade concreta dos casos narrados mostra-se até aqui manifesta, exigindo pronta resposta desta Suprema Corte”, destacou Zanin, em decisão obtida pelo GLOBO. O STJ informou que “se trata de uma investigação que tramita sob sigilo no Supremo Tribunal Federal” e que não há “qualquer indício de envolvimento de ministros”. Em outubro, em outra fase da investigação, a Corte havia aberto procedimentos disciplinares e afastado administrativamente um servidor. Em entrevista em outubro, o presidente da Corte, Herman Benjamin, disse que o “constrangimento é coletivo, mas os fatos serão apurados”.
Um dos diálogos encontrados pela PF envolve uma citação ao servidor Daimler Alberto de Campos, que, segundo o inquérito, exerceu cargo em comissão de chefe de gabinete da ministra do STJ Isabel Galotti, que não é investigada. O nome de Daimler foi citado em conversas de janeiro de 2020 entre o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e o advogado Roberto Zampieri, morto em dezembro do ano passado, tratando de cobranças que estariam sendo feitas por uma suposta venda de sentença.
“Zamp, o Daimler me ligou agora perguntando dos R$ 50.000,00 que faltam daquele caso. E se tá tudo certo pra no dia 14 o cara pagar os outros 150. Como que tá isso aí? E no final do mês aqueles outros 250 seu hein, não esquece também não”, escreveu Andreson, segundo mensagem analisada pela PF.
Andreson chegou a enviar a Zampieri uma petição que, segundo as investigações, correspondeu precisamente a uma decisão efetivada pela ministra Isabel Gallotti nos autos. A dupla comemorou, conforme mostra o diálogo abaixo:
Andreson: Feito zamp. Pelo amor de Deus. Veja o dinheiro. Aqui resolve Zamp.
Zampieri: Acabei de ler tudo. Parabéns, meu amigo. Isso não é o qualquer um. Parabéns.
Andreson: Até a vírgula é igual. kkkk
Zampieri foi morto a tiros em dezembro do ano passado no Mato Grosso. A partir da análise do celular dele, foi instaurada uma investigação Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Polícia Federal — que revelou indícios de um esquema de venda de sentenças no STJ.
A defesa de Gonçalves disse em nota que, como ainda não teve acesso ao inquérito, não vai se manifestar. Os outros citados foram procurados, mas não se manifestaram.
Andreson foi preso nessa terça-feira em uma operação deflagrada pela Polícia Federal. A atuação do lobista, segundo decisão do ministro Cristiano Zanin, é considerada “decisiva função no verdadeiro comércio de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça”.
Em seu despacho que autorizou a operação da PF, Zanin destaca que os “relatos descortinam indícios” de que Andreson “estabeleceu rede de contatos com magistrados e assessores de Ministros do Superior Tribunal de Justiça e de integrantes dos Tribunais de Justiça, bem como com uma série de intermediadores, a fim de auferir benefícios derivados de decisões judiciais e informações privilegiadas”.
Alterações de minutas
Outro servidor citado pela PF é Márcio José Toledo Pinto, que atuou no gabinete da ministra do STJ Nancy Andrighi, que não é investigada no caso. A participação do suspeito é mencionada em diálogos entre o lobista Andreson e o advogado Zampieri em agosto do ano passado, quando tratam de um documento que, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referia-se a duas minutas de decisões de ações sob a relatoria de Nancy.
Ao analisar o documento e o andamento processual, a PF identificou indícios de uma “ampla participação do servidor Márcio nas movimentações” de dois processos, “com alteração e exclusão de minutas internas em poucos minutos”, destaca a decisão de Zanin.
O terceiro servidor que entrou na mira da PF é Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade. Conforme decisão de Zanin, a participação dele é mencionada em um diálogo em março de 2020, quando Anderson e Zampieri “pareciam conversar sobre a deflagração de uma operação da Polícia Federal que atingia um suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia (Operação Faroeste)”.
“Andreson informou, no diálogo, que a busca e apreensão realizada teria sido noticiada pelo ‘amigo do og’, possível alusão a um contato de influência no gabinete do Ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça”, pontuou Zanin. Na mesma data, conforme investigação, Andreson encaminhou para o advogado decisão do ministro Og Fernandes que estava sob segredo de Justiça. O magistrado não é investigado.
“Os diálogos registrados se reportam aos dias 24/3/2020, 25/3/2020, 27/3/2020, 29/3/2020, 2/4/2020 e 3/4/2020, sendo possível notar que Andreson estabelecia uma relação consideravelmente próxima com um ‘amigo’ lotado naquele gabinete, o qual, conforme a autoridade policial, estaria repassando informações sigilosas do processo”, afirma Zanin.
Em uma das conversas, o nome de Rodrigo foi citado, como destacou o ministro do STF:
Zampieri: Andreson, ele é mesmo? Apareceu isso nas gravações?
Andreson: O delegado falou, aí Rodrigo mandou tirar da escuta, mas está arquivado em expediente avulso. Vou pegar para você ver.
Zampieri: Saiu decisão?
Andreson: Lógico. Está na mão. Tudo certo. Indeferiu todos os pedidos de revogação de prisão
“Há indícios de que se trata de Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade, então chefe de Gabinete do Ministro Og Fernandes. Na época dos fatos, acrescento, havia apenas um servidor com esse nome no gabinete correspondente”, escreveu Zanin.
Celular de advogado
A investigação do esquema de venda de sentenças no STJ começou em dezembro de 2023, quando a Polícia Civil identificou mensagens no celular de um advogado assassinado no Mato Grosso tratando de uma suposta compra de sentenças formuladas por assessores, chefes de gabinete e desembargadores. O caso foi remetido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que compartilhou as informações com o STJ e acionou a Polícia Federal.
No decorrer das investigações, foram descobertos indícios de envolvimento de advogados, lobistas, empresários, assessores, chefes de gabinete e magistrados. A PF apura a suposta prática dos crimes de organização criminosa, corrupção, exploração de prestígio e violação de sigilo funcional.
Conforme investigação, os alvos solicitavam valores para beneficiar partes em processos judiciais, por meio de decisões favoráveis aos seus interesses.